sexta-feira, fevereiro 03, 2012

02 de fevereiro: dia de festa no mar e pânico na terra


Enquanto a praia do Rio Vermelho acolhia os devotos do candomblé com suas oferendas e seus atabaques na festa de Iemanjá, o Centro de Salvador parecia querer alargar suas ruas estreitas para dar vazão à corrida desesperada de pessoas procurando, nas lojas e prédios da região, abrigo contra os arrastões que, segundo se ouvia, estavam acontecendo nos shoppings, pontos de ônibus e em diversos bairros da cidade.

Esses saques e roubos, ao que parece, começaram no bairro da Liberdade por volta das 10 da manhã e se alastraram rapidamente pelo Centro, continuando por toda a cidade até chegarem ao shopping Salvador Norte, já no município de Lauro de Freitas.

A razão para o terror que se instaurou na capital baiana e em outros municípios do estado foi a greve da PM iniciada no dia 31/01/2012 numa assembléia que se decidiu pela paralisação por tempo indeterminado da Polícia Militar, paralisação à qual apenas parte do efetivo aderiu. No entanto, essa adesão em parte à suspensão das atividades policiais foi motivo de sobra para permitir que viessem à tona todo o medo e stress que, já faz muito tempo, se instalaram na alma da população - por causa da insegurança e aumento assustador da violência na cidade - e gerar a ansiedade cheia de pavor que víamos no andar corrido dos transeuntes, nos pontos de ônibus lotados, nas casas trancadas a sete chaves por todos os lugares onde passamos ontem.

O temor que se abateu sobre nós, no entanto, parece ter sido “injustificado”. Pois, os crimes veiculados em sites da Internet e programas de rádio das notícias durante todo o dia, tais como os arrastões que fizeram a população entrar em polvorosa, os assaltos que fizeram os comerciantes da Avenida Sete de Setembro, dos bairros populares e até mesmo de grandes Shopping Centers como o Itaigara e o Barra fecharem as portas mais cedo, não passaram de episódios comuns da rotina da cidade.

O que a bandidagem fez foi simplesmente agir com mais liberdade. Daí está claro que pudemos ver marginais desfilando pelas ruas como se fossem os senhores do mundo! E, é claro também, que os arrombamentos, arrastões e todo o resto – em Salvador e em outros municípios – aconteceram de forma mais concentrada. Mas será que ontem o diabo foi mesmo tão feio quanto o estão pintando por aí?

Não estou querendo minorar os episódios de ontem, foram tenebrosos! Apenas creio que, a maneira como a população respondeu a eles, foi simplesmente a explosão do acúmulo de medo e ansiedade pelos quais somos acometidos todos os dias. Para comprovar isso, basta respondermos a essas perguntas: Quem de nós anda nas ruas de Salvador e não tem medo de ser assaltado? Quem tem coragem de caminhar na Orla distraidamente? Quem pega ônibus sem estar em estado de suspensão por acreditar que a qualquer minuto ladrões se levantarão e roubarão cobrador e passageiros? Quem pára em semáforos em determinados pontos da cidade e deixa as janelas do carro abertas ou, ainda, quem respeita o sinal após as 21:00 horas?  Quem não conhece alguém que foi assaltado, seqüestrado ou morto por bandidos?

Talvez,  o nosso  secretário de Segurança Pública, Maurício Barbosa, desconheça esses fatos, pois foi ele quem disse à imprensa: "A situação é sensível e não podemos desconsiderar isso. Mas vamos restabelecer essa sensação de segurança o mais rápido possível". Eu, soteropolitano, residente em Salvador por quase toda a minha vida, há vários anos não sei o que significa “essa sensação de segurança”. Na verdade, a única sensação que tenho é a mesma que me ocorreu quando li o Pequeno Príncipe, mais especificamente o momento em que ele está sobre uma duna e lança um grito ao ar que lhe retorna em forma de eco. Ao ouvir sua própria voz ele diz: “você quer ser meu amigo? Eu estou só” e o eco lhe responde: “estou só, estou só, estou só”.

Em Salvador, estamos sobre as dunas gritando aos poderes públicos com pulmões cheios e a única coisa que ouvimos é o eco de nossas próprias vozes ao vento repetindo incansavelmente “eu estou só, eu estou só, eu estou só”, numa solidão tenebrosa.

Tudo bem, o governo federal liberou 2600 homens da Força de Segurança Nacional para restaurar a ordem e “essa sensação de segurança” na Bahia. Esses homens poderão ficar aqui até o carnaval – para proteger os quase um milhão de turistas que virão derramar seu dinheiro em nossos cofres - caso a PM não volte ao trabalho imediatamente conforme ordenou o juiz Ruy Eduardo Almeida Brito. Mas e depois ou, quem sabe até mesmo, “e durante”?

2600 homens com fuzis, metralhadoras e todo o arsenal que lhes cabe irão proteger pontos específicos da cidade, darão segurança, especialmente, ao turista e, a reboque, à população em geral. Mas será que esses homens patrulharão os bairros populares? Será que estarão presentes nos ônibus municipais? Será que terão a capacidade de apagar das mentes das pessoas o terror, o stress que elas viveram, lhes tirar do coração o sentimento de impotência apavorada como a que eu vi nos olhos do meu aluno pré-adolescente quando ele, entrando em sala, me perguntou: “professor, e se eles (os criminosos) vierem aqui matar a gente”? Me preocupa pensar na resposta.

Me preocupa também saber que “essa sensação de segurança” só pode nos ser dada através das Armas e de seu arsenal bélico. Da transformação da vida cotidiana urbana em cenário de guerra, da exposição de nossas crianças às mesmas imagens a que a população de países como Iraque, Afeganistão, Israel, estão se acostumando. O problema não está na greve da polícia militar! O problema não está na chegada dos combatentes de guerra! O problema está no descaso diário, no abandono – por parte da sociedade e dos poderes públicos que ela elege – e na marginalização do povo, nas Gotham Cities que se formam todos os dias ao redor dos condomínios de luxo de pequeníssima parcela da população. O problema, senhoras e senhores, está na falta do cuidado para com o nosso povo!

E é por pensar assim que não tiro a razão daqueles que estavam no Rio Vermelho ontem, alheios ao caos que pouco a pouco se apoderava de nossa cidade inteira. Afinal, talvez a única coisa que lhes resta seja mesmo apelar aos seus deuses, às forças míticas, aos elementos da natureza transformados em poderes sobrenaturais para que dessa forma consigam se alienar da terrível realidade que nos cerca.

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