domingo, novembro 15, 2009

Intolerância Religiosa em Salvador

De quando em quando a imprensa baiana surge com dramáticos neologismos – aquelas palavras que a gente já conhece, mas que tomam sentido novo de acordo com o que os falantes lhes querem imprimir.

Há algum tempo atrás, eles renovaram a palavra “tragédia” de forma a equiparar o lamentável incidente na Fonte Nova à devastação causada pelo furacão Catrina nos E.E.U.U., ao tsunami no Oceano índico em 2004 e ao acidente com os aviões da TAM (2007) e GOL (2006).

Não digo que não tenha sido doloroso e chocante ver pessoas que foram se divertir e torcer pelo seu time morrerem da forma lastimável como morreram, mas tragédia? Bem, dadas as proporções (dos mais de 60 mil pagantes, 08 foram mortos no acidente e cinco se feriram) eu contaria o caso como um triste, terrível acidente; mas apenas porque ver pessoas, de qualquer idade, com saúde e força, serem privadas da vida é sempre terrível. Mas Tragédia? – Com certeza para os familiares e amigos.

Agora, nesse domingo próximo passado, eles me inventaram outra: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, com direito a passeata e tudo.

Falar de intolerância religiosa numa cidade como Salvador é tão patético quanto falar de seres ultra-humanos habitando as profundezas da Terra.

Numa cidade em que se tem um Cristo na Barra, igrejas evangélicas em cada esquina e TODO MUNDO usando jargões como “tá amarrado” ou “tá repreendido” para espantar “forças e energias negativas”; onde há gente de burka rezando três vezes ao dia, pandeiros e fitas e sons de “Hare Krishna”, reuniões budistas freqüentadas por adeptos e curiosos, centros espíritas de portas abertas aos visitantes que os lotam, e tantos desavisados falando em karma a despeito da fé que professam; onde se tem orixás enormes num dos mais belos cartões postais da cidade, o Dique do Tororó, bem como na sede dos Correios e Telégrafos da Pituba, e, como reza a lenda, uma igreja católica para cada dia do ano.

Numa cidade cujo povo, de diferentes religiões - e até mesmo aqueles que não têm crença em nada ou ninguém - sai às ruas na 3ª quinta-feira de janeiro acompanhando o cortejo católico em que mães e pais-de-santo são assediados para darem banho de água-de-cheiro e benzer os caminhantes que, juntos com o prefeito evangélico tocando pandeiro, homenageiam o Cristo ou Senhor do Bonfim ou Oxalá (originalmente Orixalá = Orixá + Allah), falar de intolerância religiosa - uma vez que ser intolerante significa ”ser incapaz de conviver com diferenças, opiniões ou crenças divergentes daquelas particulares ao indivíduo” - repito, é patético demais!

O que sinto é que há um grupo de radicais fascistas querendo nos impedir de exercermos nossa liberdade de expressão; querendo tolher nosso direito constitucional de não acreditar, não querer e não aceitar para nós individualmente suas crenças. Parece-me que querem transformar o nosso direito de não tomar como verdade o que não acreditamos. Os intolerantes não são aqueles que não participam da ou compartilham a fé de outrem ou que não chamam de seus os deuses alheios; os intolerantes são aqueles que não permitem que os outros não dividamos com eles a sua visão de mundo, que nos querem impedir de professar a nossa descrença em seus rituais, que desejam tapar as nossas bocas todas as vezes que dizemos algo que vá de encontro ou fira a sua vaidade pessoal mais que e o seu credo e opinião sempre únicos, verdadeiros e supremos.

Intolerância religiosa é o que o Papa Urbano II promoveu no séc. XI com a invenção das Cruzadas; é o que, mais recentemente, vimos na Indonésia quando da anexação do Timor Leste, período em que os cristãos foram caçados e mortos, seus corpos arrastados na rua pelos muçulmanos, ou a destruição dos budas centenários do Afeganistão pelo regime talibã. Intolerância religiosa foi o que o mundo presenciou nos países do Regime Comunista; foi o que Mao Tsé Tung fez com os budistas chineses na década de 50.

Mas em Salvador, onde a estátua do Cristo da Barra convive serenamente com os Orixás do Dique do Tororó, e os altares em casa provêem espaço para São Jorge (vejam só, um Cruzado!), Yemanjá (um orixá caucasiano e vestido de azul e branco como a Virgem Maria!) e até a efígie do Buda de costas para a rua, ao lado de um copo com água e carvão, duendes e bruxinhas, não se pode falar de intolerância, a não ser por uma questão de afirmação ressentida de poder, por querer-se usar de desculpas absurdas a fim de tentar introduzir à força a repressão ao nosso direito de escolha e à nossa liberdade de pensamento e expressão.

São estes fascistas que querem destruir a nossa individualidade e o nosso direito de não professar sua fé. Não somos nós que destruímos igrejas, que bombardeamos templos ou que tacamos fogo nos terreiros a fim de acabarmos com quaisquer crenças; são eles, os mesmos que pretensamente lutam por seus direitos, que querem destruir o direito alheio quando sutilmente dão nova roupagem ao vernáculo para encobrir a sua sede de vingança, o seu terrorismo e o seu ódio à liberdade. Intolerância Religiosa em Salvador é um neologismo muito sem graça engendrado nas entranhas dos fascistas, propagado pela mídia repressora e acreditado pelas mulas.

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5 comentários:

Luis Eduardo Scoton disse...

Mestre Marcetion, sempre fazendo críticas muito contundentes! Grande colaborador do tão pouco valorizado ativismo intelectual!
Com certeza! Salvador está mais para sicretismo religioso do que para intolerância religiosa. Parece-me que estas acusações e estes neologismos criados pela imprensa são paradoxais e até contraditórios, uma vez que contribuem, eles mesmos, com a intolerância religiosa. Acho que foi justamente o que você quis passar, e o fez com grande competência. Pois bem! Continuemos com as manifestações religiosas e culturais de todos os tipos, e também com os sincretismos, que só vêm a nos enriquecer. Não nos esqueçamos de que a liberdade religiosa é a mãe de todas as liberdades - nasceu da contra reforma, antes mesmo de a liberdade individual ser conquistada pelos liberais da Rev. Francesa. Lembramos que ela está consagrada como um direito constitucional no artigo 5° da Constituição Federal, como um direito fundamental, Fundamental que é. Grande abraço!

Juninn_Kbca disse...

Fala tiuôô....kkk....fica bastante claro que as aberrações cometidas pelo ditos "religiosos" de hoje são completamente abomináveis...o pior é que sempre as justificam como sendo "em nome de DEUS"...Há muito que a humanidade padece deste mal. O preconceito religioso, étnico, político, cultural, ou seja, a incapacidade humana em se reconhecer no “outro” e respeitá-lo é, sem sombra de dúvidas, um fator essencial gerador da intolerância. Contudo seriam pobres os argumentos que tentassem firmar a base da intolerância nesses fatores...buscando apenas neles as respostas... mas o pior é que o senso comum consegue somar a intolerância religiosa...à política...à étnica...cultural e sexual....às vezes sob formas sutis de violência...que tornam mais evidente a culpa concorrente da sociedade...da criação e educação da criança (de antes)..agressor e "intolerante" de hoje...somados aos fatores já expostos...bem...pra não ser "sonífero"....em suma....me espanta perceber que em Salvador, berço e alicerce multi cultural....multi étnico e multi religioso, seja palco de eventos desse tipo....realmente lamentável...mas talvez seja pior a constatação que são poucos os olhos que se voltam para esses acontecimentos e buscam uma solução...seja por qual meio for...

Ventura Picasso disse...

Oi Márcio tô te lendo.
A luta pelo poder, em todas as organizações, começa no centro do grupo que comanda e decide. Portanto meu caro, não se trata de intolerância ou preconceito, o que querem é estender os tentáculos para alcançar novos espaços, possivelmente, disponíveis.
Agora, cá pra 'nois' como diz o presidente, reacionário é como erva daninha ou tiririca, dá em qualquer lugar, até atrás do altar sagrado da democracia.
Forte abraço.
NB- A sua sobrinha não apareceu.

Janete disse...

Tio Márcio,

Concordo plenamente contigo. Infelizmente, vivemos numa democracia cheia de entrelinhas, e temos que lutar firmemente pelo que acreditamos.

A mídia na maioria das vezes não ajuda no esclarecimento dos fatos e sim, contribui com o exagero das situações que ocorrem em nossa volta.

O sensacionalismo é uma busca constante em alguns meios de comunicação.

Adoro ler vc!

Saudades!

Unknown disse...

Não só o plularismo religioso é uma caracteristica marcante de nossa cidade, assim como o exagero ao se manifestarem sobre certos assuntos.

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